Programação

Manto em Movimento

Glicéria Tupinambá

Programa público

de 12 de dezembro a 28 de janeiro de 2024
Exibição do Manto Tupinambá na exposição Ensaios para o Museu das Origens De terça a domingo, das 11h às 19h Entrada gratuita

Passada

Manto em Movimento apresenta a pesquisa de Glicéria Tupinambá, que há anos investiga o manto tupinambá: o papel central na cosmologia de seu povo, sua presença nas iconografias do ocidente e as técnicas que embasam sua feitura. O projeto é uma realização da Casa do Povo com o MAC-USP e Glicéria Tupinambá, articulando pousos por diversos espaços e instituições. Desde setembro de 2023, o manto já passou por lugares como a aldeia Guarani-Mbya Kalipety, o Museu das Culturas Indígenas, o Museu do Ipiranga, a Pinacoteca, Ocupação 9 de Julho, JAMAC, entre outros."

O objeto, ente sagrado central da sociedade Tupinambá, integra a exposição Manto em Movimento, uma mostra documental que refaz o percurso da artista no seu reencontro com os mantos de seu povo, e se interconecta com a luta pela demarcação do território Tupinambá.

Manto em Movimento torna visível o longo processo coletivo que sustenta o reencontro de Glicéria Tupinambá – artista, ativista, professora e intelectual, natural da aldeia da Serra do Padeiro – com sua ancestralidade por meio da confecção dos mantos. Sonhos, mapas, iconografias, textos, viagens povoam o quebra-cabeças que a artista vem compondo junto ao seu povo.

 

Diplomacia do Manto: tecendo alianças

O objetivo do Manto em Movimento é mostrar a coerência do trabalho de Glicéria como artista e como ativista, junto à sua comunidade. A vinda do manto para São Paulo é mais uma ação de diplomacia Tupinambá para demarcar territórios imateriais, fortalecer sua luta, pautar o debate e procurar novos aliados.

Glicéria Tupinambá explica que os espaços podem se oferecer para ter o manto como hóspede: “É só escutar o seu chamado e criar condições para que ele possa ser recebido, seja na forma de exposição, encontros, ativações, debates ou oficinas”.

 

Retomada: no encontro dos treze mantos

O manto tupinambá é vinculado ao mundo dos Encantados, entidades que habitam as matas e guiam o povo Tupinambá através de sonhos e visões. Objetos de valor espiritual e ritual, são tecidos com fibra de algodão, tucum, embebidos no mel, revestidos de penas de pássaro como o guará e a arara. Os mantos atraíram atenção e interesse dos europeus por sua beleza e seu poder. Foram trocados em negociações diplomáticas, objeto de escambo ou simplesmente saqueados.

Atravessaram os mares rumo ao continente colonizador onde figuraram nos gabinetes de curiosidades e vestiram as nobrezas de lá. Hoje estão guardados em museus europeus, sendo conhecido o paradeiro de 11 mantos, e fora isso, há relatos de outros 2 que estariam perdidos ou escondidos. No Brasil, fisicamente, não restou nenhum, mas eles resistiram na memória ancestral do povo.

Os Tupinambás, habitantes de boa parte do litoral de Pindorama, sofreram com o contato e resistiram aos colonizadores desde o princípio da invasão. Sobreviveram ao etnocídio, à aculturação, à perseguição, ao aldeamento e catequese coloniais, bem como aos processos de expropriação territorial no período imperial e republicano, quando tiveram seus direitos indígenas retirados. Suas cosmotecnologias de resistência os mantiveram vivos em luta contra séculos de violências e todas essas formas de apagamento. Os Tupinambá reconquistaram seu reconhecimento oficial pela FUNAI em 2001, processo que abre o caminho para os movimentos de retomada do território e da cultura ancestral, e de demarcação da Terra Indígena de Olivença, ainda hoje pendente de conclusão.

Foi também no ano de 2001 que dois anciãos do povo, Seu Aloísio e dona Nivalda, mãe da cacique Maria Valdelice dos Tupinambá de Olivença, reencontraram um de seus mantos, na ocasião da mostra do Redescobrimento em São Paulo. Era o manto pertencente à coleção do Museu da Dinamarca, que hoje retorna ao Brasil, depois de um longo processo de negociação em que, os mais velhos como dona Nivalda assim como os mais jovens como Glicéria, tiveram um papel fundamental.

 

Direito à ancestralidade: refazer e retomar

Nesse contexto se insere a pesquisa de Glicéria Tupinambá, que desde 2005 vem trabalhando na retomada do manto – o reencontro com suas práticas materiais e rituais de feitura, que implicam na reconexão com o território, com os Encantados, com a cosmologia Tupinambá – sua relação com as plantas, os animais, o passado e o presente.

Com base em uma fotografia desse manto que ora retorna ao Brasil, Glicéria confeccionou um novo manto para presentear os Encantados na festa no dia 19 de janeiro de 2006. Contou com a ajuda de Zizinho (Wellington de Almeida), o apoio de toda a comunidade e a orientação dos mais velhos (esse manto hoje se encontra no acervo do Museu Nacional, por decisão da comunidade). Desde então, Glicéria engajou-se na confecção de mais dois mantos, numa caminhada que a levou a reencontrar aqueles levados para a Europa.

Não se trata somente de uma retomada material, ou da reivindicação de repatriamento de objetos confinados nos museus do outro lado do oceano. Sua pesquisa está preocupada com o direito à memória e à ancestralidade, o acesso aos acervos, que permite exercer o direito de reaprender, de remendar uma tradição, segundo ela, “estilhaçada em cacos”.

Para Glicéria e seu povo, não se trata de reproduzir a aparência dos mantos, mas sim relembrar e reinventar seu modo de feitura e dos rituais que eles representam.

Para tanto, a artista consulta os Encantados e eles a guiam nessas viagens de reencontro, ela escuta o seu chamado e o que eles lhe dizem em sonhos. Glicéria também engaja a memória da comunidade local e vasta pesquisa iconográfica e documental, a partir das quais ela relembra as formas de conexão Tupinambá entre o mundo material e imaterial: da feitura da agulha, do ponto do jereré à comunicação com os pássaros, à reconexão com as matas.

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