Programação

Até a Amazônia com Ailton Krenak

Hiromi Nagakura

Exposição

de 24 de outubro a 04 de fevereiro de 2024
TERÇA A DOMINGO 11H ÀS 19H ENTRADA GRATUITA

Passada

imagem de jovem mulher indígena sorrindo e segurando uma criança no colo. ao fundo estão outras crianças indígenas
Lideranças indígenas visitadas pelo fotógrafo e pelo curador estarão presentes na abertura da exposição

Como escreve Ailton Krenak, curador da mostra, no início de seu texto: “Nagakura-san é um samurai. Sua espada é uma câmera que ele maneja com a segurança de quem já passou por campos de refugiados e esteve no centro das praças de guerra, por lugares como África do Sul, Palestina, El Salvador e Afeganistão. Depois desse mergulho no inferno global, quando sentiu de perto a loucura dos seres humanos, o samurai da câmera descobriu a floresta amazônica e seus povos nativos”.

Algumas obras dos territórios em conflito fazem parte da exposição, contudo, os trabalhos do fotógrafo em Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak concentram-se nos registros permitidos realizados nas viagens da dupla, principalmente pelo território amazônico. Os percursos abarcaram quase 5 anos, de 1993 a 1998, dezenas de horas, duas vezes por ano, sempre na companhia da produtora e intérprete Eliza Otsuka. A exposição, acompanhada de encontros e lançamento de livro, é o resultado de uma “união de esforços para fazer uma celebração em torno dessa amizade alimentada pelo sonho e beleza da obra do fotógrafo Hiromi Nagakura”.

Segundo Krenak, a mostra traz algumas das belas imagens das viagens às aldeias e comunidades na Amazônia brasileira. “Momentos de intimidade e contentamento entre ‘amigos para sempre’ inspiraram esta mostra fotográfica mediada por encontros com algumas das pessoas queridas que nos receberam em suas cozinhas e canoas, suas praias de rios e nas aldeias: Ashaninka, Xavante, Krikati, Gavião, Yawanawá, Huni Kuin e comunidades ribeirinhas no Rio Juruá e região do lavrado em Roraima”, destaca o curador. As viagens alcançaram os estados do Acre, Roraima, Mato Grosso, Maranhão, São Paulo e Amazonas. Muitos indígenas, que foram visitados pelas lentes do fotógrafo na companhia de Krenak, estarão presentes na abertura da exposição.

A aproximação entre Krenak e Nagakura começou numa conversa, sentados em esteiras, na sede da Aliança dos Povos da Floresta, no bairro do Butantã, em São Paulo, onde se conheceram, quando Eliza Otsuka apresentou o plano de viagens de Nagakura.

“Ela [Eliza] resumiu com estas palavras o conceito todo do projeto para alguns anos dali para frente: ele vai ser a sua sombra por onde você for, quando estiver dormindo e quando estiver acordado”, recorda-se Krenak. Esta história toda está reunida em um dos livros escrito em nihongo, publicado pela editora Tokuma (Tóquio, 1998), intitulado Assim como os rios, assim como pássaros: uma viagem com o filósofo da floresta, Ailton Krenak assumido por Krenak como a sua biografia feita por Hiromi Nagakura. Uma versão do livro, com autoria de Ailton Krenak a partir dos depoimentos atualizados será lançado no Brasil pela Dantes Editora, como um dos eventos que integram a programação da mostra. O lançamento de Um rio, um pássaro acontece dia 27 de outubro, das 18h às 20h, no Instituto Tomie Ohtake, com mesa e autógrafos.

As viagens de Krenak e Nagakura já foram registradas anteriormente no Japão em livros, exposições e documentários para a NHK. O livro Seres Humanos – Amazônia, lançado em 1998 em Tóquio, teve enorme repercussão e foi seguido de duas exposições e exibição em programas na TV com muita mídia voluntária, um espaço raro para o reconhecimento do Brasil, Amazônia e povos indígenas. “Acompanhei, como convidado especial, Hiromi Nagakura em programas ao vivo na TV em horário nobre, antecedido por fala de fim de ano do imperador. Não foi pouca coisa o impacto dessas exposições e livros-reportagens para a formação de uma opinião pública esclarecida sobre a realidade dos Yanomami e Xavante, e da Amazônia mesma. Afinal, nós andamos por dezenas de aldeias nas cabeceiras dos rios Juruá, Negro e Demini, Tarauacá e rio Gregório, além de cortar estradas pelo cerrado e regiões de florestas onde a vida continua vibrante como nos primórdios da criação”, completa Krenak.

Uma publicação, editada pelo Instituto Tomie Ohtake, marca a exposição, ao reunir um conjunto de obras de Nagakura e ensaios assinados por: Angela Pappiani; Claudia Andujar; Laymert Garcia dos Santos; Lilia Moritz Schwarcz; e Priscyla Gomes.

Essa exposição tem curadoria de Ailton Krenak e curadoria adjunta de Priscyla Gomes, Angela Pappiani e Eliza Otsuka.

Sobre os Artistas
Hiromi Nagakura
Hiromi Nagakura nasceu em 1952 na cidade de Kushiro, ao norte da ilha de Hokkaido, no Japão. Desde criança, amou gente e a natureza, interessado em pessoas e culturas de outros lugares do mundo. Sentia-se atraído pelo novo, pelo desconhecido. Viajou para destinos diversos, visitou as ilhas do Pacífico Sul, entrou em contato com povos nômades do Afeganistão. Foi então que sentiu a necessidade de documentar seus encontros e começou a praticar e se aperfeiçoar nas técnicas da fotografia. Para ele, desde o início, a fotografia sempre foi um instrumento para se relacionar com o mundo e a diversidade de culturas, paisagens e pensamentos. Formou-se em direito, mas seguiu a carreira de fotógrafo. Trabalhou na agência noticiosa Jiji Press porque admirava os fotógrafos reconhecidos por seus trabalhos de cobertura de guerras. Em 1979, com 27 anos, Nagakura decidiu tornar-se fotojornalista independente, caminho que acabou levando-o a conhecer a África do Sul, Zimbábue, União Soviética, Afeganistão, Turquia, Líbano, El Salvador, Bolívia, Peru, Brasil, Indonésia, México, Groenlândia e vários outros países, em todos os continentes. Realizou centenas de viagens e exposições, publicou dezenas de livros, foi personagem de inúmeros documentários, escreveu reportagens, ministrou oficinas e palestras, recebeu prêmios. Sua obra, já reconhecida no Japão, é exposta pela primeira vez no Brasil na exposição Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak, com curadoria desse amigo e personagem de seu trabalho.
Ailton Krenak
Ailton Alves Lacerda Krenak nasceu em 1953 no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, quando o povo Krenak vivia no exílio, expulso de seu território tradicional por invasores que ocuparam e depredaram as matas densas às margens do Watu, como o povo originário chama seu avô-rio. Depois, nos anos de ditadura, a antiga aldeia Krenak foi transformada em prisão indígena, testemunha da violência contra os povos que insistiam em desafiar a ordem imposta vivendo de um modo diferente. Ailton viveu parte de sua vida em São Paulo, onde estudou e começou sua militância no movimento que começava a surgir no final dos anos 1970, reunindo indígenas de muitas etnias em torno de uma luta comum por direitos. Sua imagem pintando o rosto de preto no Congresso Nacional tornou-se símbolo da resistência indígena na Constituinte. Coordenou a União das Nações Indígenas, o Núcleo de Cultura Indígena, o Centro de Pesquisa Indígena, a Embaixada dos Povos da Floresta e a Aliança dos Povos da Floresta ao lado de seringueiros, extrativistas e ribeirinhos pela vida da (e com a) Floresta. Regressou nos anos 2000 a seu território, que ajudara a consolidar em 1999. Hoje vive às margens do Watu, ferido pela lama do rompimento da barragem de dejetos da Samarco em 2015. Ali o povo se fortalece, rememora a língua e os ritos, restabelece a vida. Nos últimos anos, Ailton Krenak tem se dedicado à manifestação do pensamento através do som e do poder sagrado das palavras, refletindo sobre temas que afetam a todas e todos nós, seres vivos de todas as humanidades, companheiros da mesma canoa Terra que navega no firmamento. Suas palavras estão registradas em livros que nos aproximam da cosmologia dos povos originários e confrontam nossa vida cotidiana. Autor de Ideias para adiar o fim do mundo (2019), A vida não é útil (2020) e Futuro ancestral (2022). É comendador da Ordem de Mérito Cultural da Presidência da República e doutor honoris causa pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Em 2023, foi eleito como o primeiro indígena membro da Academia Brasileira de Letras. Conheceu Hiromi Nagakura em 1993, e agora, 30 anos depois, eles se reencontram nas curvas dos rios amazônicos na mostra de fotografias "Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak".
Sobre os Povos Originários
Krĩcatijê – Krikati (Maranhão)
Tempo de contato: 250 anos Tronco linguístico Macro-jê, Família Timbira População: cerca de 1.200 pessoas Os Krĩcatijê – “aqueles da aldeia grande”, como se autodenominam os Krikati – são um povo guerreiro. Pertencem à grande família dos Timbira. Mesmo com mais de 250 anos de contato com os colonizadores que ocuparam essa região do Maranhão com disputas e violências, esse povo luta bravamente para manter seu território tradicional e sua cultura. A Terra Indígena Krikati, demarcada nos anos 1990, está localizada nos municípios de Montes Altos e Sítio Novo, a sudoeste do estado, nas bacias dos rios Tocantins e Pindaré-Mearim. Apesar de demarcado, o Território sofre invasões e depredações do patrimônio natural, havendo até mesmo projetos governamentais de desenvolvimento, como a construção de linhas de transmissão de energia no Território, sem consulta nem estudos de impacto. O povo Krikati se mobiliza para proteger a terra e suas tradições. Toda a vida da aldeia se divide em dois grandes tempos: o tempo das chuvas, quando acontecem os rituais ligados à fartura e à natureza, e o tempo da seca, quando acontecem as cerimônias de iniciação dos jovens. Os cantos são o eixo das cerimônias que reúnem o povo em torno da grande árvore “barriguda” no centro da aldeia principal de São José. A força vem do canto coletivo, do movimento vigoroso do maracá nas mãos do puxador, das vozes de homens e mulheres ecoando no cerrado durante a noite toda. As coreografias da dança e os corpos pintados de jenipapo e urucum imitam os movimentos e as formas da natureza. Nagakura-san se apaixonou pelo povo Krikati, por sua beleza e espontaneidade, resiliência, bravura e doçura. Visitou a aldeia em três ocasiões diferentes.
A’uwê Uptabi – Xavante (Mato Grosso)
Tempo de contato: 75 anos Tronco linguístico Macro-jê Aproximadamente 23 mil pessoas O povo Xavante se autodenomina A’uwê Uptabi – “gente verdadeira”. É guerreiro e caçador. Vive nos vastos campos do cerrado, desde que os ancestrais atravessaram o rio das Mortes há quase 200 anos. Resistiram bravamente à entrada das frentes de atração na década de 1940, atacando com flechas e bordunas os aviões que sobrevoavam a aldeia. A pacificação dos “warazu” – os estrangeiros – se deu a partir de 1946, durante a Grande Marcha para o Oeste, iniciada no governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Apesar de terem nove Terras Indígenas demarcadas, em diferentes municípios do estado do Mato Grosso, cada uma delas lida com diferentes ameaças ao patrimônio físico e cultural, com interferência de religiões, agronegócio, projetos de desenvolvimento e avanço das cidades. Os A’uwê são de uma linhagem antiga, vieram da raiz do céu. Os homens usam o brinco e a gravata cerimonial de algodão. Homens e mulheres se pintam com jenipapo, carvão e urucum, tiram as sobrancelhas e os cílios, usam cordinhas nos pulsos e pernas. O corte de cabelo, os adornos e pinturas dão identidade ao povo Xavante que segue praticando seus rituais de formação dos jovens e iniciação espiritual. O sonho direciona a vida, dá o rumo, a orientação, responde a todas as questões. É no sonho que chegam os cantos, transmitidos pelos ancestrais e partilhados com todo o povo da aldeia. A cerimônia de furação de orelha é um marco para toda a comunidade. Acontece a cada 5 anos, quando os meninos que ficaram reclusos na casa dos solteiros completam seu aprendizado dos princípios da tradição. Nagakura-san ficou impressionado com a força e determinação do povo e com o sentido de vida coletivo. As imagens revelam essa admiração nas danças circulares e no grupo de homens deitados no pátio central, reunidos para sonharem juntos.
Guarani - M’bya, Ñandeva e Kaiowá (São Paulo e outros estados)
Tempo de contato: mais de 500 anos Tronco linguístico Tupi – língua Guarani Aproximadamente 50 mil pessoas em vários estados Os Guarani são o povo originário das regiões Sul e Sudeste, desde o Rio Grande do Sul até o Espírito Santo, com população também no Pará e Tocantins e nos países vizinhos, como Argentina, Bolívia e Paraguai. No estado de São Paulo são dezenas de aldeias na Serra do Mar e 24 aldeias no perímetro urbano da Capital, em três Terras Indígenas – Jaraguá, Krukutu e Tenondé Porã. Os Guarani vivem com bravura estes tempos de desafios em que precisam defender territórios, os Tekoás, ameaçados principalmente pelo agronegócio e pela especulação imobiliária em São Paulo. E se adaptam à nova realidade, preservando a tradição para se manterem como povo indígena – “gente de verdade”. São eles que, com seus conhecimentos tradicionais, espiritualidade e a língua Guarani, transmitidos de geração a geração, têm protegido trechos ainda vivos da Mata Atlântica – Nhe’ ery. Seu canto forte e poderoso é passado de geração a geração, desde que Nhanderu criou o mundo e todas as coisas. Reúne a cada final de dia o povo na Opy, a Casa de Rezas, e com o ritmo do mbaraká (chocalho) e a fumaça do petynguá, cachimbo cerimonial, ajuda a manter o céu suspenso. Os cantos tradicionais são de reverência ao Criador, agradecendo a vida e pedindo iluminação para o espírito seguir seu caminho até encontrar a Terra Sem Males. As crianças cantam juntas, com a força de seu coração puro ao som dos instrumentos – o mbaraká, o violão, a rabeca. Os movimentos da dança completam o canto, fortalecem e preparam o corpo. A fumaça do cachimbo tradicional sobe para o céu estabelecendo a comunicação com os espíritos. Nagakura-san visitou a aldeia Tenondé Porã para conhecer esse povo que enfrenta o imenso desafio de viver numa das maiores cidades do mundo, e registrou, emocionado, os rituais de todo dia dentro da Opy.
Yawanawá - Acre – rio Gregório (também no Peru e Bolívia), município de Tarauacá
Tempo de contato – aproximadamente 150 anos Tronco linguístico Pano Aproximadamente mil pessoas O povo Yawanawá é o povo da queixada. Vive às margens do rio Gregório, nas muitas curvas que ele faz cruzando as florestas onde antes era apenas território tradicional e hoje é o município de Tarauacá, no Acre. Os Yawanawá vivem um intenso momento de fortalecimento de sua cultura e dos conhecimentos tradicionais depois de passarem, do começo do século XX até os anos 1970, por um período de escravidão e apagamento, quando os seringalistas ocuparam os territórios e subjugaram as populações tradicionais do Acre. As casas cobertas de palha, com piso e esteios em paxiúba, palmeira de madeira resistente e escura, são espaços amplos e abertos para a natureza, lugar de convivência e aprendizado, de construção da cultura e relação com o mundo espiritual. Depois de se reconhecerem e serem reconhecidos como um povo originário, conquistando a demarcação de seu território, buscaram recuperar e fortalecer as tradições proibidas por tanto tempo. Hoje buscam divulgar sua cultura e espiritualidade, convidando os não indígenas a conhecerem seu modo de vida e participarem de suas cerimônias que reúnem jovens e anciãos de várias aldeias em celebrações vigorosas. As reclusões de iniciação espiritual envolvem dietas e ingestão de plantas de poder que dão os ensinamentos por meio de visões e sonhos. Os rituais de cura envolvem o Uni, como chamam a ayahuasca. Nagakura-san visitou a aldeia Yawanawá com o amigo Ailton Krenak, quando conviveu com o povo em dias de festa e alegria registrados em suas imagens.
Yanomami (Roraima e Amazonas, Venezuela)
Tempo de contato – mais permanente há cerca de 70 anos Língua Yanomami Aproximadamente 28 mil (no Brasil) Os Yanomami, em seus diversos subgrupos que se deslocam e criam suas aldeias nas florestas do extremo norte do Brasil, talvez sejam o último grande grupo humano vivendo de forma tradicional e livre, com seu conhecimento, sabedoria e arte à semelhança de seus ancestrais criados por Omame. Durante milhares de anos viveram com saúde, desenvolvendo suas tecnologias da floresta, sem nenhuma dependência do mundo que se agitava e se fechava em torno de suas aldeias. Referências sobre eles existem em relatos desde o começo do século XX, mas a pressão dos “nape” – os estrangeiros/inimigos – só chegou de forma avassaladora e destrutiva nas décadas de 1960 e 1970, os anos de ditadura, quando o governo decidiu ocupar “o grande vazio” da Amazônia sem enxergar as populações que ali construíam sua humanidade. Centenas de homens, mulheres e crianças morreram vítima de epidemias e balas, centenas de quilômetros de rios e florestas foram e ainda são destruídos pelos garimpos. A grande crise que hoje nos envergonha já se abateu outras vezes sobre esse povo. E não são essas imagens de fragilidade e dor que representam o povo Yanomami. Elas revelam a ignorância, a ganância e a desumanidade dos nape. Os Yanomami são belos, fortes, sábios. Enfeitam-se de plumas e pinturas de urucum, cultivando roças e manejando a floresta, construindo casas monumentais no meio da mata com sua arquitetura fantástica. A alegria das crianças, as grandes cerimônias rituais, as narrativas e cantos são o legado desse povo que mantém o céu suspenso com suas pajelanças para o bem de todos nós. Nagakura-san esteve na aldeia do Demini com Ailton Krenak por duas vezes. Encantou-se com a sabedoria do povo, com a alegria das crianças e o profundo conhecimento do grande líder Davi Kopenawa Yanomami.
Huni Kuin – Kaxinawá (Rios Tarauacá, Jordão, Breu, Muru, Envira, Humaitá e Purus, Acre, Amazonas e Peru)
Tempo de contato: cerca de 120 anos Tronco linguístico Pano População: aproximadamente 10 mil pessoas O povo Huni Kuin viveu tranquilo nas bacias dos rios Juruá e Jordão até o final do século XIX, quando a borracha se tornou artigo valioso e cobiçado, e os povos nativos, que conheciam e floresta e tinham o domínio da extração do látex, foram escravizados pelos patrões de seringa, no que chamam de tempo da “correria”. A partir da década de 1970 começam a viver o tempo do renascimento, quando recuperam a tradição adormecida durante décadas de escravidão e violências e se afirmam em sua identidade. Os Huni Kuin – “gente de verdade” – são conhecedores profundos da ciência da floresta transmitida aos ancestrais pelos Yuxin, os espíritos/encantados, e através da sabedoria do Nishi Pay – a ayahuasca. Assim, têm tudo de que precisam para a vida na floresta: a medicina, a cura, o cultivo dos alimentos, a habilidade da arquitetura e da navegação. As mulheres são as donas dos Kenes, os desenhos tradicionais do povo Huni Kuin, transmitidos por Yube – a Jiboia – e expressos na arte de tecer, pintar o corpo, fazer cestaria e panelas de barro. A tecelagem, transmitida por Baxem pudu, a Aranha, transforma os fios de algodão tingidos com as tintas da floresta em redes, adornos e nas roupas tradicionais do povo. Nagakura-san subiu o rio Tarauacá até quase a divisa com o Peru, em dias de navegação em tempos de seca. Na aldeia, o fotógrafo se alegrou com as crianças e mulheres em seus trajes tecidos com as cores da floresta.
Akrãtikatêjê – Gavião da Montanha (Pará)
Tempo de contato: mais intensivo a partir de 1920 Tronco linguístico Jê, língua Timbira População: aproximadamente 800 pessoas O povo conhecido como Gavião, habitante das margens do Tocantins, passou a sofrer com o avanço dos “kupen” – estrangeiros/brancos – no final dos anos 1930, quando o interesse pela castanha mobilizava empresários e políticos na região de Marabá. O Serviço de Proteção aos Índios (SPI) tentou por vários anos a pacificação desse povo guerreiro para evitar que fosse dizimado pela população local. Os choques violentos com os invasores e as mortes por epidemias reduziram o povo a 30% de sua população original. O contato do SPI com os grupos Gavião só aconteceu a partir do final da década de 1940. Depois veio o tempo de exploração da mão de obra dos indígenas na coleta da castanha pelo próprio SPI e, a partir da década de 1970, pelas grandes obras do governo militar, que mais uma vez impactaram a vida e a cultura desse povo guerreiro. Seu território foi cortado por estrada, ferrovia e linhas de transmissão de energia, e aldeias foram alagadas pela hidrelétrica de Tucuruí. Foram décadas até que eles se reerguessem e retomassem os rituais, as festas, o orgulho de sua identidade, a alegria de viver. Nagakura-san visitou a aldeia de Mãe Maria, onde fez poucos registros fotográficos. A única imagem do povo Gavião da Montanha nesta exposição retrata o grande líder Payaré com seu filho e uma sobrinha, num barco, no grande lago de Tucuruí, sobre sua antiga aldeia submersa.
Ashaninka (Vale do rio Juruá – Acre e Peru)
Tempo de contato: cerca de 120 anos Tronco linguístico Aruak Aproximadamente 3 mil pessoas (no Brasil) O povo Ashaninka já habitava um vasto território de florestas entre o Acre e o Peru, no Alto Rio Juruá, muito antes de se erguerem as fronteiras dos países que se apossaram dessa região. As famílias que se estabeleceram ao longo dos rios do Alto Juruá, como o Amônia e o Breu, também sofreram, como outros povos do Acre, a invasão dos seringalistas no final do século XIX, começo do XX. Guerreiros fortalecidos em sua tradição e identidade, não se deixaram escravizar, mantendo sua cultura e independência, apesar de todas as investidas. A população cresceu, áreas depredadas por invasores foram recuperadas, os cuidados com o território renderam frutos, caça, peixe e muita fartura. Em conexão com os ensinamentos ancestrais, o sábio povo Ashaninka criou estratégias de enfrentamento e alianças com os não indígenas que chegaram a seu território. Desenvolveram parcerias, equiparam as aldeias com tecnologia de comunicação e monitoramento para controlar as invasões de madeireiros e outras ameaças à vida das pessoas e de todos os seres que ali habitam. Seu traje tradicional – a kushma, tecida em algodão pelas mulheres –, os colares de sementes e plumas cruzados no peito, o chapéu-cocar trançado com palha de palmeira e adornado de penas de arara dão identidade a esse povo orgulhoso e senhor de seus caminhos. Nos rituais da ayahuasca o povo recebe ensinamentos e decide seu futuro. Nagakura-san se encantou com esse povo alegre e confiante, com seus projetos de autonomia e sua música, e principalmente com a generosidade e a acolhida calorosa. As imagens revelam o povo em seu cotidiano.
Sobre o Livro "Um rio, um pássaro"
Editora Dantes
Texto e desenhos: Ailton Krenak Pintura da capa: Ehuana Yanomami Texto da orelha: Txai Suruí Formato 14 x 21 cm 90 páginas Em Um rio um pássaro o leitor encontrará Ailton Krenak em dois tempos. O primeiro texto, com o título do livro, emerge dos anos 90, tempo de suas longas jornadas por aldeias, rios e pela floresta. São reflexões sobre a vida, ao mesmo tempo que evocam a memória da formação do movimento indígena no Brasil. Os registros de suas falas foram feitos pelo fotógrafo japonês Hiromi Nagakura e haviam sido publicados somente no Japão. Uma cachoeira é o título do segundo texto, também inédito. Nele, Ailton em 2023, aprofunda o tema do abismo cognitivo causado pela separação da cultura e da natureza, além de discorrer sobre a neutralidade como subterfúgio aético diante do colapso ambiental. “Se nos permitirmos descansar o corpo na natureza, todo o universo passa a trabalhar a nosso favor. Mas se cortarmos ou negarmos a relação com a natureza passaremos a depender apenas da nossa força individual, e nos tornamos solitários. Para pescar é preciso do apoio do espírito da água, é preciso negociar com este espírito. O rio está em constante movimento, e a água de hoje é diferente da água de ontem. A água se mantém límpida por estar sempre em movimento. Assim como o vento que carrega sementes, a água também carrega as suas sementes. A nova vida que nasce carrega consigo a memória do antigo. É o dinamismo que miscigena o velho e o novo, assim é a vida. No mundo urbano, o que une as pessoas são os computadores. Na floresta são as canoas. Isso faz com que pensemos de forma relativa. Alguns pensam que aqueles que inventaram jatos e satélites capazes de voar até o céu, são mais avançados do que os que fabricaram canoas e atravessaram para o outro lado do rio. Ambas as tecnologias são iguais por se tratar de atravessar de um mundo para o outro. A diferença é a distância. Os povos da floresta sabem construir tudo que é preciso para a própria vida.” Ailton Krenak

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