Programação

Um rio não existe sozinho

Belém (PA)

Exposição

de 03 de outubro a 30 de dezembro de 2025
No Parque Zoobotânico do Museu Emílio Goeldi Belém, PA Entrada: R$3

Atual

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Um rio não existe sozinho
Curadoria de Sabrina Fontenele e Vânia Leal

Criado e desenvolvido pelo Instituto Tomie Ohtake, sob curadoria de Sabrina Fontenele, curadora da instituição, e Vânia Leal, curadora convidada, para dialogar com os temas urgentes relacionados à 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que acontecerá em novembro de 2025, em Belém, o projeto teve início em 2024 com encontros, viagens de pesquisa e a realização dos seminários Diálogos São Paulo e Diálogos Belém.

Artistas, mestres tradicionais, arquitetos, cientistas e ativistas participaram desses encontros, que buscaram construir uma rede nacional de conexões em torno de caminhos sustentáveis frente à crise climática. Agora, essas trocas se materializam em obras que não apenas ocupam o Parque, mas se integram e convivem com ele.

Na mostra coletiva, que reúne nove artistas de diferentes regiões do Brasil e um escritório de arquitetura, o Parque é matéria viva, ponto de partida e inspiração. Todas as obras são site specific, concebidas em diálogo direto com o ecossistema local, respeitando sua delicada dinâmica e propondo uma convivência sensível com seus ritmos, sons, cheiros e presenças.

Diferente de um espaço expositivo convencional, cada trabalho precisou se adaptar às condições do ambiente — respeitando a fauna livre, a vegetação e a história de um museu com quase 130 anos de existência. O resultado é uma mostra que se constrói em diálogo e negociação constantes, reconhecendo o museu como lugar de vida e convivência.

 

O Ministério da Cultura, por meio da Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), o Nubank — mantenedor institucional do Instituto Tomie Ohtake — e o Instituto Tomie Ohtake apresentam Um rio não existe sozinho, exposição em cartaz de 3 de outubro a 30 de dezembro de 2025 no Museu Paraense Emílio Goeldi, instituição anfitriã e parceira do projeto. A mostra conta ainda com o patrocínio da AkzoNobel, Aché Laboratórios Farmacêuticos e PepsiCo. A PepsiCo é também patrocinadora institucional do Instituto Tomie Ohtake por meio do Programa de Ação Cultural (ProAC), da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo.

ARTISTAS PARTICIPANTES
Déba Tacana
Ceramista e artista visual de ascendência indígena e cigana (Porto Velho – RO, 1988). Sua obra aborda transformações de fronteiras e contextos de violação de direitos humanos, por meio de deslocamentos, coletas e análise de ficções políticas. A instalação 'Luz que Ança' ficciona o presente em relação com a COP 30, tensionando a crise da imaginação como aquilo que modifica os modos de viver no planeta. Formado por peças de cerâmica com grafismos variados feitos com vidro fundido, o trabalho de Déba reluz e aponta para uma formulação, em um mundo em catástrofe, que une o passado, o presente e o futuro ancestral daquilo que não se separa: a criança da pessoa adulta; a moça da anciã; a mulher do bicho.
Elaine Arruda
Artista visual (Belém – PA, 1985). Há mais de uma década, imerge no Porto do Sal, complexo situado na Baía do Guajará, no centro histórico de Belém. A instalação 'Entoar o vento e dançar marés' surge de uma imersão no Rio Tijuquaquara, onde nasceu sua avó materna, Sra. Terezinha de Jesus Martins Andrade. As viagens realizadas de barco foram um retorno a essas águas e um mergulho na ancestralidade de três gerações de mulheres: ela, a avó e a mãe. Na busca por esse elo, prevalece a metáfora do movimento do barco nas águas e do ciclo das marés – cheia ou vazante –, complexidades desafiadoras nas travessias que incidiram sobre a memória, o encontro e o tempo. Ao tensionar atribuições familiares, dependências e finitudes, a artista se coloca como guardiã de histórias e de memórias femininas.
Estúdio Flume
Fundado em 2015 pelos arquitetos Christian Teshirogi e Noelia Monteiro, se destaca por sua abordagem da arquitetura como uma ferramenta de impacto social. O escritório trabalha desde a concepção até a execução da obra, com foco em projetos que geram melhores oportunidades econômicas e sociais, especialmente em comunidades rurais e afastadas dos centros urbanos no Brasil. Entre seus projetos mais notáveis estão o Centro de Referência das Quebradeiras de Babaçu (MA) e a Casa do Mel (PA), que exemplificam como a arquitetura pode dialogar com técnicas e materiais locais para promover o desenvolvimento comunitário de forma consciente e responsável. Essa abordagem social e sustentável lhes rendeu importantes reconhecimentos, como o destaque no 9º Prêmio Arquitetura Tomie Ohtake AkzoNobel, pelo Centro de Referência das Quebradeiras de Babaçu, e o prêmio internacional Call for Solutions, na Itália. No Parque Zoobotânico, o Estúdio projetou o pavilhão que abriga o Espaço Educativo da exposição, com recursos e tecnologias locais como madeira e palha de ubuçu.
Francelino Mesquita
Artista e escultor (Belém – PA, 1976) que trabalha com materiais da natureza, como a bucha do miriti (ou buriti), a tala do jupati, a raiz do mututi, a cuia pitinga, a madeira e outros materiais. Suas esculturas desafiam as percepções de forma e de equilíbrio, sendo em sua maioria em formato de móbiles. Na exposição, o artista traz uma reflexão acerca da educação ambiental, da crise climática e da extinção das técnicas artesanais ancestrais cuja cadeia produtiva depende de recursos naturais. 'Proteja-me' é uma instalação que busca conscientizar sobre a proteção da natureza como forma de mitigação de impactos da crise climática e, também, de proteção da própria existência humana. Já a instalação Proteção ambiental tem a forma de um cocar indígena e reforça a importância do ativismo dos povos da floresta para a resistência contra as ações de destruição da floresta amazônica.
Gustavo Caboco
Artista do povo Wapichana (Curitiba/Roraima, 1989). Na obra de Caboco, encontramos dispositivos para reflexão sobre os deslocamentos dos corpos indígenas, os processos de valorização das culturas indígenas e o direito à memória. 'Casa de bicho' é uma instalação pensada a partir do Parque Zoobotânico do Museu Goeldi. Composta por redes, esteiras e travesseiros bordados, o artista cria um ambiente para pensar o presente e sonhar a terra, observar os “rios nos céus”, coletar algodão de samaúma e ouvir histórias, ativando uma prática de permanência e pertencimento. Já 'Antibatismo: Victoria Regia' mergulha na complexa história da planta amazônica, cujo nome foi atribuído pelo botânico John Lindley em homenagem à Rainha Vitória da Inglaterra. O artista questiona o ato de “batismo” ou as práticas de nomeações como violências coloniais, revelando as relações de poder e apagamento na formação da subjetividade indígena no imaginário brasileiro.
Mari Nagem
Artista interdisciplinar (Belo Horizonte – MG, 1984) que investiga as transformações do meio através da tecnologia e a artificialidade das paisagens. A obra '41°C' se inspira em um evento trágico e sem precedentes: a seca histórica de 2023 no Lago Tefé, na Amazônia, que elevou a temperatura da água a 41°C e causou a morte de dezenas de botos. Com base em análise de imagens de satélites e em diálogos com cientistas, a artista construiu representações térmicas com cores fortes e bordas bem definidas, remetendo às águas de um rio que invade o Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi como um lembrete e um alerta: os rios são testemunhas ágeis das mudanças climáticas, e estamos cada vez mais próximos de vivenciar danos irreversíveis.
Noara Quintana
Artista visual (Florianópolis – SC, 1986), contesta o imaginário colonial através de práticas que exploram a fronteira entre geometria, poética e política, concentradas nas narrativas do Sul Global. Em 'Tela d'água', Noara investiga os registros do acervo do zoólogo suíço Emílio Goeldi, recriando com borracha pigmentada uma tela que convida o público a vislumbrar a fauna e a flora da Amazônia. A obra, instalada no Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi, busca uma relação direta com a vida que habita o local. Ao destacar espécies ameaçadas de extinção, a artista evidencia a fragilidade do ecossistema e aponta para a urgência de sua preservação.
PV Dias
Artista visual (Belém – PA, 1994) e atua na relação entre o mundo físico e o digital, operando múltiplas linguagens – como pintura, fotografia, vídeo e artes digitais – e tendo como perspectiva o gesto de contracolonizar. Como parte da mostra, projeta 'Paisagens commodities' na fachada do Auditório Alexandre Rodrigues Ferreira, no Museu Goeldi. Com efeitos e animações impactantes, o video mapping revela fotografias, vindas do acervo do Museu Goeldi, de iniciativas desenvolvimentistas que deixam rastros de destruição ambiental na Amazônia. Paisagem Rio-Bauxita, Rio-Petróleo, Rio-Soja, Fumaça-Manganês, Rio-Ouro, Céu-Vermelho, Rio-Esgotado, Rio-Enxuto e Rio-Seco são arquivos fotográficos e novos registros que se misturam nos rios, nas casas e no cenário amazônico. Em cinco vídeos diferentes, o artista busca tornar visível na paisagem o que lhe é arrancado.
Rafael Segatto
Artista visual (Vitória – ES, 1992) e desenvolve diferentes técnicas e linguagens, como fotografia, vídeo, instalação, escrita, experiências estéticas e rituais. Sua prática é comprometida com o mar e as vidas moldadas pelas marés, e com a busca por encontrar outras temporalidades e formas de existir. Sua instalação 'Enquanto correm as águas' é constituída por um conjunto de cinco placas de madeira atravessadas por remos, cujas cores remetem ao trânsito das embarcações navais nos estaleiros de Vitória – a partir de materiais resistentes às variações climáticas. As cores revelam, no azul, o céu; no laranja zarcão, as memórias do artista; no preto, o carvão usado para limpeza espiritual; e, no branco, os pontos riscados dos terreiros de macumba e o calcário presente nas navegações. O artista desenha uma cartografia como uma forma de comunicação com marujos, marinheiros e navegantes visíveis e invisíveis.
Sallisa Rosa
Artista visual (Goiânia – GO, 1986) que utiliza a arte como um caminho intuitivo, explorando a ficção, o território e a natureza. Sua prática artística é marcada por interesse pela memória, o esquecimento e a construção de futuros, a partir de instalações de grande formato em espaços públicos. Sallisa trabalha com diversas materialidades, como o barro, a cerâmica, coletas e construções, e sua trajetória é pautada por um compromisso com práticas coletivas, compartilhando saberes e experiências. 'A terra esculpe a água' é uma instalação com barro, uma estrutura esférica de pau a pique, que se debruça sobre a relação ancestral entre a terra e a água. A artista reflete sobre a paisagem do Norte do país, onde a natureza mostra como a água e a terra se encontram e criam caminhos e formas misteriosas. Esse processo se opõe diretamente ao ambiente urbano, onde os rios são cerceados por concreto e canalizados. Com essa obra, a artista reforça a necessidade de cuidar das águas, ressaltando que, apesar das distâncias, todas as águas do planeta estão conectadas.
Créditos
Foto de destaque
Paula Giordano
APROFUNDE-SE SOBRE A MOSTRA
Editorial: Uma exposição não existe sozinha
Uma exposição não existe sozinha Assim como um rio não existe sozinho, uma exposição também não se faz sem acolher as diversidades – de artistas, espaços, visitantes, e tantas outras que fazem parte da vida. Diferentemente de um modelo tradicional de exposição, em que o espaço é preparado para receber as obras e garantir que, ao final do processo, permaneçam exatamente iguais, no Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi elas respiram junto com o ambiente: sol, chuva, bichos, plantas e tempo moldam sua existência. Cada detalhe – da grama ao bicho-preguiça, do barro ao fungo – participa ativamente da adaptação a um contexto vivo e em movimento. Construir uma exposição de arte contemporânea em um espaço aberto, onde diariamente circulam ou vivem centenas de seres – entre humanos e não humanos – não é tarefa simples. Desde o início do planejamento, as negociações estiveram presentes, tendo os colaboradores do museu como porta-vozes de outras formas de vida. Afinal, não se chega à casa de alguém sem pedir licença, ainda mais em um lugar como o Museu Paraense Emílio Goeldi, que está prestes a completar 130 anos de história. Nos primeiros anos de existência, a instituição se chamava Museu Paraense de História Natural e Ethnografia, cujo embrião foi a Associação Philomática, fundada pelo naturalista brasileiro Domingos Soares Ferreira Penna. O naturalista suíço-alemão Emílio Goeldi (Émil August Goeldi) chegou ao Pará em 1886, com o objetivo de reestruturar o museu que, mais tarde, seria renomeado como Museu Paraense Emílio Goeldi. Naquela época, Goeldi iniciou as construções no local onde se encontra hoje o museu. Como se tratava de uma zona rural afastada do centro da cidade de Belém – região de casas de veraneio dos mais ricos –, muitas pessoas o criticaram, alegando falta de urbanização e de infraestrutura. No entanto, Goeldi logo começou as obras do jardim zoológico e do jardim botânico, estruturando os viveiros e os canteiros que receberiam variadas espécies de plantas e animais – tanto os que foram doados para serem cuidados e reabilitados quanto os de fauna livre. Com o tempo, o museu foi se desenvolvendo e incorporando terrenos e casas do entorno, até formar o atual quadrilátero de 5,4 hectares, tombado como um jardim histórico de grande importância, tanto em nível estadual quanto federal. É por isso que, para que uma exposição seja instalada nesse ecossistema, é preciso muito diálogo – não só com a arquitetura dos edifícios, mas também com as árvores e os bichos que ali vivem. Quando as conversas para trazer obras ao parque foram iniciadas, logo se percebeu o desafio de respeitar a fauna livre e a estrutura viva do lugar. Por ali habitam e transitam cutias, pacas, tatus, tamanduás, preguiças e macacos, entre outros, então qualquer instalação precisava levar em conta o modo como eles se deslocam e interagem com o espaço. Não seria possível, por exemplo, amarrar algo entre as árvores, pois isso se tornaria uma passagem perigosa para as preguiças ou um brinquedo arriscado para os macacos. Também não era recomendado colocar obras no tanque da vitória-régia, já que suas raízes são muito delicadas. Cada área do parque tem particularidades – como a sumaúma centenária, as árvores de porte médio, os gramados – que exigiram adaptações e negociações constantes. Muitas propostas precisaram ser revistas para não danificar a vegetação ou interromper a fruição do ambiente natural. Até detalhes como o cheiro dos urubus, a queda das folhas e a época de floração entraram na conta, porque influenciariam a experiência e até a segurança das pessoas. Com o tempo, o olhar sobre a exposição foi sendo afinado coletivamente, e a percepção de como a arte e a natureza poderiam dialogar sem que uma sufocasse a outra foi tomando corpo. Desde o início, todos sabiam que algumas regras eram firmes, fruto de acordos prévios, mas muitas outras só ganhariam forma no fazer, no contato direto com o parque e suas mudanças. Às vezes, bastava mover uma obra alguns metros, baixar um pouco mais, mudar de lado; outras vezes, era a própria estação do ano que determinava os ajustes. Uma das obras, por exemplo, iria utilizar as fibras da sumaúma, mas o fato de que sua florada só viria a acontecer meses depois da abertura da exposição fez com que a proposta se adaptasse. É o tempo da árvore que ensina o tempo da obra. No momento em que este texto é escrito, a sumaúma mais antiga, com 129 anos, está desfolhando e, em breve, vai encher o ar de painas que voam como paraquedas, levadas pelo vento para longe. Cada espécie ali tem seu jeito de se espalhar – umas com a ajuda das cutias, outras pelo sopro do vento, e outras ainda pelas mãos dos trabalhadores do museu, quando produzem mudas e replantam. Até plantas medicinais são guardadas pela equipe, protegidas do toque curioso do público, porque preservar também é parte da função do jardim botânico, assim como manter vivas espécies que, lá fora, já quase ninguém reconhece. Outro desafio de se fazer uma exposição em um lugar como o Museu Goeldi é assumir o que chega de atual e contemporâneo, mas sem esquecer a importância dos elementos históricos. Como as obras que chegam, feitas no momento atual, dialogam com o patrimônio do complexo, composto pelos edifícios históricos e seus estilos, suas paredes e caimentos dos telhados? Há quase quarenta anos no museu, Pedro Pompei Filizzola Oliva, chefe do Serviço do Parque Zoobotânico, conta que, quando começou a trabalhar na instituição, eram comuns as sugestões de esconder o piso original do edifício da Rocinha, por acharem que ele chamava muita atenção e que o foco deveria ser as peças expostas. No entanto, reconhece a preciosidade de um edifício do século 19 ainda ter as características de sua época, e acredita que essa história precisa ser mostrada, e não escondida. Qualquer museu que recebe uma exposição deve ser visto como uma moradia que abriga não só os acervos, mas as próprias pessoas que ali trabalham e visitam. Os museus são lugares do viver. Nesse sentido, a exposição Um rio não existe sozinho é um experimento de como se pode entender o espaço de um museu, seja ele qual for, como um lugar de vida. No fim, tudo se resume a essa convivência, onde a arte não se impõe ao lugar, mas aprende com ele. Em uma exposição como essa, em um lugar como o Museu Paraense Emílio Goeldi, cada decisão deve ser fruto de escuta e negociação – com as árvores, com os bichos, com o clima e com o tempo próprio de cada coisa. Não é uma exposição que resiste apesar da vida em volta; é a vida em volta que acolhe a exposição, moldando-a, transformando-a e, muitas vezes, tornando-se parte dela. É um exercício de respeito mútuo, em que se chega não para controlar, mas para compartilhar o espaço e deixar que ele também construa a sua parte da obra. Instituto Tomie Ohtake e Museu Paraense Emílio Goeldi
Texto da curadora Sabrina Fontenele
Uma exposição viva com o Parque Estar no Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi é uma experiência que supera a simples visita a uma área verde em uma zona urbana de Belém, no Pará. O lugar se apresenta como um universo pulsante, um espaço de encanto tecido por uma infinita diversidade de cores, luzes, cheiros, sons e caminhos. Esse ecossistema, onde a vida latente de humanos e não humanos acontece em uma convivência negociada e complexa, não foi apenas o cenário escolhido para esta mostra: ele é o seu ponto de partida, sua matéria conceitual e sua principal inspiração. A exposição nasce deste lugar e para este lugar. Contudo, essa celebração da vida não é um convite ao escapismo, mas um poderoso e urgente lembrete do que está em jogo. Esta ilha de biodiversidade, cuidadosamente mantida, existe em um planeta que está em colapso: o ano de 2024, por exemplo, ficará marcado na memória coletiva pelas enchentes devastadoras no sul do país, pelas queimadas que consumiram biomas inteiros e pelas secas históricas na Amazônia. Esses eventos extremos não são fenômenos isolados ou temporários, mas a face visível de uma crise climática que se tornou realidade cotidiana, impactando todas as formas de vida no planeta. Foi em meio a esse cenário de urgência que o projeto Um rio não existe sozinho começou a ser pensado junto de Vânia Leal – curadora convidada que conhece as práticas e saberes da região Norte –, a partir de um diálogo constante do Instituto Tomie Ohtake com as equipes do Museu Goeldi. Este projeto foi, desde a primeira de suas três etapas, pensado como uma construção coletiva. Inicialmente, Vânia e eu realizamos, juntas, viagens de pesquisa pelo Pará, conhecendo mestres dos saberes tradicionais, artistas, ativistas e instituições que se relacionam, produzem e pensam o mundo a partir de lógicas mais responsáveis ambiental, social e culturalmente. Alguns desses interlocutores participam desta exposição; outros tantos estiveram presentes nas etapas preliminares do projeto, dialogando em seminários, realizados em São Paulo e Belém, que reuniram pesquisadores do clima, jornalistas, ambientalistas e artistas de várias regiões do Brasil. Esses encontros de diversos campos disciplinares e territórios estimularam ricas confluências – para usar a palavra do sábio Nego Bispo, que tanto ressoa em nossas decisões. Num segundo momento, promovemos os eventos Diálogos São Paulo e Diálogos Belém – realizados em agosto e novembro de 2024 – com o objetivo de criar uma plataforma de convergência de experiências, perspectivas e iniciativas que foi fundamental para a terceira etapa: a organização desta exposição. As distintas proposições de artistas, sabedores, intelectuais e demais envolvidos neste projeto reforçam que a necessidade de “imaginar outras formas de existência humana é exatamente o desafio que a crise climática nos impõe: pois se há uma coisa que o aquecimento global deixou perfeitamente clara é que pensar o mundo apenas como ele é significa um suicídio coletivo” – esse pensamento do escritor indiano Amitav Ghosh sugere que precisamos, ao contrário, imaginar o que o mundo pode ser. A partir da aproximação entre saberes tradicionais, pesquisas acadêmicas e experimentações artísticas, incentiva-se um olhar crítico à exploração desmedida dos recursos naturais e lançam-se possibilidades de vidas sustentáveis. Nesta etapa do projeto, convidamos artistas de diferentes regiões do Brasil para trazer suas reflexões e proposições, partindo de um entendimento do meio ambiente como fonte de sabedoria. Com base em sua poética, os convidados se mostraram provocados pelo espaço e pelas dinâmicas ali presentes, e essa abordagem colaborativa e sensível foi fundamental para que concebessem suas obras a partir de recursos naturais alinhados a uma lógica de sustentabilidade, usando palmeira de miriti, palha, barro, entre outros, em diálogo direto com o Parque. Cada escolha relacionada às alturas, às áreas ocupadas, às sombras, à origem e ao descarte dos materiais foi pensada levando em consideração um baixo impacto no Parque, desnaturalizando as lógicas tradicionais de construção. Com a sensibilidade de compreender a dinâmica deste ecossistema, artistas pesquisaram, planejaram e exploraram as possibilidades de trazerem suas reflexões para este espaço, tendo um cuidado imenso com o impacto de cada intervenção na delicada dinâmica do Parque, tanto para o público visitante quanto para os seus moradores humanos e não humanos. Dessa maneira, as obras integram-se à paisagem de forma respeitosa, promovendo uma experiência neste lugar sem jamais perturbar seus ritmos e habitantes. As obras aqui presentes não são objetos estáticos; são propostas vivas, pensadas para interagir, para se modificarem ao longo dos meses a partir da convivência ativa com os seres que habitam e frequentam o lugar. Assim, os percursos centenários do Parque convidam, a cada passo, a aguçar os sentidos e a atentar-se aos movimentos, sons, cheiros, luzes e cores. Diante de uma história marcada pela degradação e pela exploração exaustiva dos recursos naturais, a exposição apresenta alternativas para a falta de imaginação por meio da qual lidamos com esta crise e oferece caminhos para adiar o fim do mundo, como nos sugeriu Ailton Krenak. Um rio não existe sozinho reforça que, além de políticas públicas essenciais, precisamos investir em narrativas que envolvam justiça climática e resiliência. É a potência do que se imagina e a esperança do que se constrói coletivamente que nos permitirão inventar modos mais generosos e sustentáveis de habitar nosso planeta. Sabrina Fontenele Curadora, Instituto Tomie Ohtake
Texto da curadora Vânia Leal
Corpo de rio A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30) foi um estímulo para que, em 2024, o Instituto Tomie Ohtake iniciasse um projeto comprometido com os fluxos e resistências que desenham a vida na Amazônia, e que se ampliam para as questões climáticas globais. Nessa proposição dialógica com a equipe do Instituto, nasce Um rio não existe sozinho, que, mais do que uma simples exposição, é um ato que reafirma o papel simbólico, político e existencial dos rios como entidades vivas, coletivas e interconectadas. Em Belém (PA), cidade que serve como portal para a floresta e as águas amazônidas, a mostra se instala no Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi. Nesse espaço, os sons, ritmos e conhecimentos da floresta vibrante se entrelaçam com a presença dos povos originários, comunidades tradicionais, artistas, arquitetos, cientistas, ativistas e pensadores engajados. O resultado é uma rica ecologia de ideias, práticas e afetos que rejeita a lógica do extrativismo e destaca a urgência de preservar a floresta em pé – não como um mero cenário, mas como um sujeito político ativo e pulsante. A presença da floresta é o resultado da proteção ativa e ancestral dos povos que habitam esse espaço. Eles são os verdadeiros guardiões da biodiversidade e das águas, resistindo há séculos à exploração violenta e mantendo, com seus corpos, línguas e modos de viver, o delicado equilíbrio entre a natureza e a humanidade. Honrar essa resistência é reconhecer a urgência da justiça climática. Nessa perspectiva, a mostra propõe encontros, instalações, intervenções urbanas e ações educativas que modificam a maneira como pensamos sobre a Amazônia e suas lutas. Não se trata apenas de falar sobre a floresta, mas de dialogar com ela: como quem navega junto, atento à sabedoria das águas e às presenças encantadas que nelas habitam. Ao considerar a hidrossolidariedade como inspiração, o projeto toma emprestada desse conceito uma ética de responsabilidade coletiva em torno da água, entendida como bem comum e condição de vida que define a interdependência entre humanos e não humanos, convocando práticas de cuidado e reciprocidade nos ciclos hídricos. Com essa base, o projeto Um rio não existe sozinho se abre como um espaço ampliado de reflexão sobre as urgências climáticas, ecológicas e sociais. Ele se apoia no pensamento indígena e em saberes ancestrais, reconhecendo que a vida, assim como um rio, é uma rede de relações interconectadas: não há correnteza sem margem, nem curso que não seja nutrido por outros. Assim, como no próprio título deste projeto, nós afirmamos: um rio não flui sozinho, mas traz consigo histórias, deságua memórias e sustenta mundos. Em tempos de colapso climático e com a crescente ameaça aos povos da floresta, acenamos, com esta iniciativa, para alianças: interespécies, com as comunidades da floresta, com os seres humanos. Temos, como ponto de partida, a crença de que a arte pode ser barco, remo e margem, e que o futuro, assim como os rios, é construído coletivamente, com raízes profundas em saberes ancestrais. A responsabilidade ecológica confere à arte a força de um cuidado, de um gesto de devolução e de uma ação ligada ao bioma amazônico. Como curadora nascida às margens do Amazonas e conectada espiritualmente ao coletivo, sou como um corpo de rio que flui e traça caminhos. Desde janeiro de 2024, com a também curadora Sabrina Fontenele, tenho navegado por águas, visitado comunidades, conversado com artistas e fortalecido nossa parceria com a equipe do Museu Goeldi. Estamos aqui não como um ponto final, mas como o começo de uma caminhada crítica e ética, alimentada por vozes e práticas que reconhecem a terra, a água, o corpo e o tempo amazônico como espaços de luta e de reinvenção. Nessa caminhada ativa, enfatizo o trabalho em conjunto com os artistas e com a equipe do Museu Goeldi – guardião que conhece cada espécie da fauna e da flora do Parque Zoobotânico, e que sabe exatamente os limites para que nenhuma existência seja invadida. Entre tantos outros saberes, na construção da proposição de cada artista para montar a exposição de forma a respeitar os seres não humanos, sem danificar árvores ou alterar o espaço, vivemos a experiência como uma parte viva da natureza amazônica – e o museu, assim como os povos da floresta, faz parte dessa natureza. Através do nosso projeto, o Instituto Tomie Ohtake se afirma como uma rede de arte, alianças e encontros, que surge na intersecção entre floresta, cultura e decisões globais. Sem dúvida, é uma ponte que conecta mundos: entre o visível e o invisível, o humano e o mais-que-humano, o presente e a ancestralidade. Desejamos espraiar diálogos e firmamentos acerca do meio-ambiente-inteiro! Vânia Leal Curadora
Institucional Instituto Tomie Ohtake
O Instituto Tomie Ohtake, localizado na cidade de São Paulo, completará 25 anos de existência em 2026. Nessa trajetória, que há anos se estende para outros territórios, a mostra Um rio não existe sozinho é um marco importante para pensarmos o nosso futuro coletivo. Idealizado por uma família da diáspora asiática, desde o início o Instituto vem criando seu modo de ser por meio da abertura ao outro – e ao novo – e de aproximações tão necessárias entre territórios e diferentes formas de organização social, de vida e de cultura. Sempre fomos um lugar de encontros, de apresentação de paisagens e culturas diversas, com olhar atento para as artes e seus cruzamentos com a educação, o design, a arquitetura e os saberes – muito além dos ocidentais. Nessas mais de duas décadas de trabalho, as crises que nos abalam – climáticas, políticas, sociais, da vida – foram tornando ainda mais explícita a necessidade de conviver com as diferenças e criar alianças para um mundo mais justo e sustentável. Nesse sentido, é fundamental o papel da arte e das poéticas como lugares únicos e incontornáveis para perceber, sentir e traduzir as complexidades do nosso mundo, ao mesmo tempo que imaginamos outras formas de construí-lo e habitá-lo. Um rio não existe sozinho condensa e celebra muito dessa trajetória e do que entendemos como papel de uma instituição cultural, hoje, no Brasil e no mundo. Nada existe sozinho – nem rio, nem povo, nem organizações sociais, nem países –, e estamos nessa roda da vida. Fazer junto é o primeiro passo para, de alguma maneira, contribuirmos para que os muitos mundos permaneçam e coexistam. A começar pelo privilégio que é conviver e aprender com o Museu Paraense Emílio Goeldi, que desde o início, há mais de um século, pensa a Amazônia como um universo. A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), para nós, é uma oportunidade de dar visibilidade a artistas, saberes e criações que se conectam com o pensamento ecológico e ampliam nosso repertório em relação à vida na Terra, mas é importante notar que a conferência não é nosso motivo: nosso motivo é a arte, a vida e a partilha do mundo. O Instituto Tomie Ohtake agradece o Ministério da Cultura, que por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) viabilizou a exposição Um rio não existe sozinho, e ao Museu Paraense Emílio Goeldi, cujo apoio foi fundamental para o realização deste projeto. Estendemos os nossos agradecimentos ao patrocínio do Nubank, mantenedor institucional do Instituto Tomie Ohtake; da AkzoNobel, na cota ouro; do Aché Laboratórios Farmacêuticos, na cota prata; e da PepsiCo, na cota bronze. Instituto Tomie Ohtake
Institucional Museu Paraense Emílio Goeldi
O Museu Paraense Emílio Goeldi, instituição que é referência na pesquisa e na difusão do conhecimento sobre a Amazônia, reconhece que compreender e comunicar a complexidade dessa região exige múltiplos olhares. É nesse contexto que a aproximação entre ciência e arte se torna essencial. A ciência nos oferece métodos rigorosos para investigar, registrar e preservar a biodiversidade e as culturas amazônicas. Já a arte, com sua potência sensível e simbólica, amplia as formas de percepção, desperta emoções e cria possibilidades de diálogo com diferentes públicos. Quando unidas, ciência e arte transformam dados em narrativas, descobertas em experiências, e conhecimento em vivências significativas. A conexão entre ciência e arte é, portanto, uma estratégia para ampliar o acesso ao conhecimento, fortalecer a consciência crítica e cultivar vínculos afetivos com o patrimônio natural e cultural que o Museu Goeldi se dedica a salvaguardar. É também um convite à imaginação e à reflexão, reconhecendo que compreender a Amazônia é um exercício que exige tanto precisão científica quanto abertura poética. É nessa confluência de interesses que 'Um rio não existe sozinho' aporta nos rios do Parque Zoobotânico do Museu Goeldi – reconhecido, nacional e internacionalmente, como o mais antigo território dos patrimônios amazônicos e da produção científica na e para a Amazônia. Criado em 1895, abriga quase 3 mil árvores de grande, médio e pequeno porte; arbustos e cipós; e cerca de cem espécies animais. Mais do que um refúgio verde na cidade, o Parque é um laboratório a céu aberto, integrando pesquisa científica, conservação ambiental, educação e lazer. Ao caminhar por seus 5,4 hectares, o visitante vivencia a biodiversidade amazônica e a história de uma instituição dedicada – há mais de 150 anos – a estudar, preservar e divulgar os patrimônios da região. Um rio não existe sozinho possibilita que, juntos, Museu Goeldi e Instituto Tomie Ohtake ampliem o debate sobre a crise climática global, buscando integrar ciência, arte, arquitetura, design e saberes tradicionais em uma plataforma crítica e mobilizadora. Tudo isso no coração da maior metrópole da Amazônia brasileira, Belém, que sediará a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30) neste mesmo ano, tornando a experiência uma oportunidade plural para repensar nossos modos de vida, nossas memórias e a forma como nos relacionamos com o mundo, a partir do encantamento que o conhecimento e a poética podem nos proporcionar. Encantemo-nos! Sue Costa e Pedro Pompei Museu Paraense Emílio Goeldi

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